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domingo, 11 de setembro de 2016

A hipocrisia da Praxe

Não é novidade nenhuma que somos um país do "parecer bem". Não gostamos de ser criticados - só gostamos de críticas "construtivas", o que, como li recentemente, em Portugal só os elogios é que entram nesta categoria -, gostamos de falar mal por fora mas, quanto a fazer de facto algo para mudar aquilo que achamos que está mal, aparecem os "enfins" e os "mas pronto, ...". No fundo, queremos é sentir-nos bem connosco próprios, tendo para tal o mínimo trabalho possível.

Por isso mesmo é que todos os anos aparece a palhaçada da conversa anti-Praxe. O Ensino Superior está cheio de problemas, que enumerarei mais à frente, mas o que importa são as cartas abertas, as sugestões, enfim, todo esse folclore na comunicação social tendo em vista "fomentar o debate" quanto à legitimidade, ou o que lhe quiserem chamar, da tradição académica.

É uma boa tática para distrair do que está mal na Universidade, não digo que não. Afinal, a opinião pública é, no geral, contra a Praxe, uma vez que uma notícia do género "aluno de Gestão em Coimbra chora na Queima das Fitas após cinco anos ligado à Praxe" não vende; porém, se o título for "jovens estudantes da UMinho caem de penhasco após ordem de veterano", é para dobrar a tiragem encomendada!

Esta atitude é, acima de tudo, encabeçada pelo nosso Ministro da Ciência e do Ensino Superior, Manuel Heitor. Um homem quanto ao qual, como não conheço pessoalmente, não seria correto da minha parte fazer juízos de valor e que respeito como ser humano, mas que tem sido bastante infeliz nas suas declarações quanto à Praxe - parecendo-me, até, que está a ter dificuldades em deixar de lado a sua opinião quanto à situação.

Não tapemos o sol com uma peneira: há muitos retardados na Praxe (tal como em todo o lado, de resto), cujos atos, se assim o justificar, devem ser criminalizados e os seus praticantes, punidos. Agora, é função de um Ministério preocupar-se com o que os alunos fazem por serem precisamente isso, alunos? Não haverão problemas muito mais graves, como:

- A qualidade dos serviços académicos, muito burocratizados e, alguns, sem suporte online, cujos erros, deliberada ou indeliberadamente, acabam por prejudicar, não assim tão poucas vezes, os estudantes em matérias de escolhas de horário, de cadeiras e de pedidos de documentos (não incluídos na ninharia que é a propina de 1065€)?

- Os professores que "marcam" os alunos que não gostam (não digam que não acontece, por favor), que assediam estudantes durante as atividades curriculares, que criam a sua escala tendo em vista a nota que obteram "no seu tempo"?

- A transição para o mercado de trabalho, feita, muitas vezes, via estágios não-remunerados e sem os alunos terem a preparação adequada?

O meu curso é, neste momento, a par de Engenharia Aeroespacial, aquele que teve a maior média de entrada no concurso nacional de acesso ao ES. Os meus colegas partilham a notícia nas redes sociais, a coordenação envia um e-mail a felicitar-nos por este "feito"... E eu pergunto, é isto que faz um curso bom? Um curso que tem, na descrição, "formar capital humano"? Falamos duma faculdade que se preza pela exigência e o ensinar a pensar, ou numa fábrica? Mas mais ridículo ainda, é a rivalidade que se criou com Medicina - curso quanto ao qual acho simplesmente abominável que o método de entrada seja a nota numa, ou numas, prova(s) escrita(s) de uma, duas, três horas.

Continuamos a ser uma terra de doutores, a querer parecer inteligentes e a gabar-nos disso. E no meio disso tudo, desviamo-nos do problemas essenciais. Entre ataques à Praxe e vangloriação de estarmos num curso com alta ou baixa média, esquecemo-nos do que está mal no ensino e podíamos/devíamos mudar. Durante a minha licenciatura, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, pensei "não faz sentido os alunos não terem poder de decisão na escolha do calendário de exames".

O que é que eu fiz? Opção A - "mas enfim, é assim que é e pronto"; opção B - juntei-me ao Conselho Pedagógico e, no Verão seguinte, o calendário, antes de ser aprovado, foi enviado para os representantes de curso e as suas sugestões recebidas e tidas em conta (sendo que, quando terminei o 1º ciclo e saí da FCUL, logo também do CP, isso nunca mais voltou a acontecer). Espero que seja fácil de acertar.

Não sou um aluno brilhante. Fui-o até chegar ao Ensino Superior mas, assim que me apercebi da maneira mais fácil de fazer o curso e conseguir participar em simultâneo em todas as atividades extra-curriculares que me interessam, é essa que sigo e, como tal, licenciei-me com média de 13 - com 20 anos, o mais novo que conheço que tenha feito o mesmo - e conto terminar o mestrado com, na melhor das hipóteses, uma classificação de 15 valores. Por isso, posso sempre levar com o argumento de "falas muito, mas depois também não te esforças pelas coisas" e aceitá-lo; afinal, é raro achar que a minha opinião sobre alguma coisa é factual e não apenas algo que me é subjetivo.

Porém, e apesar de me considerar, e me considerarem, um tipo humilde, não gosto de ser modesto e se toda a gente tivesse a minha proatividade, tenho a certeza de que o estado do Ensino seria melhor. Porque se eu, com os meus 18/19 anos, consegui algo tão óbvio, mas tão pouco evidente para os encarregues de o fazer, de pôr os estudantes a terem voto nas suas avaliações, de certeza que conseguimos almejar muito mais. Basta estar para isso.

Quanto à Praxe, se há razão pela qual continuo a passar na FCUL e a querer saber o que vai acontecendo por lá, não é por ter saudades das aulas (ou pelo menos não é essa a razão principal). É porque foram as cerimónias académicas nas quais estive presente que me incutiram esse sentimento. Porque aos professores, o que é dos professores, mas aos alunos, o que é dos alunos.

Pedro Mendes

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