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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Fim de Erasmus

Este post vem uma semana e um dia atrasado, como já aconteceu com outros anteriores; porém, desta vez, o que pretendia era escrevê-lo na quinta-feira, dia do meu último exame - já de volta a Lisboa -, mas desde esse dia que só hoje consegui ficar em casa a ver as minhas séries e TED talks, ler/escrever artigos e publicações no Uspeti, como esta, por exemplo.

A chegada a Bruxelas para a época de exames foi, desde logo, atribulada: a TAP atrasou-se, no total quase meia-hora, e quando cheguei ao aeroporto já não se via quase ninguém, já não havia autocarros ou comboios e eu já a fritar em ter que pagar dezenas de euros num táxi. Eis que o Miguel, um espanhol de Ferrol, na Galiza, que apanhou o voo comigo em Lisboa, se junta a mim, a outro hispânico e ainda a umas albanesas (ou pelo menos, a com quem falei era) e, após negociação, acabámos por pagar "apenas" 10€ por pessoa para ir para Bruxelas.

O meu tempo resumiu-se a, na primeira semana, começar a estudar para Dynamique des fluides et des plasmes, a cadeira que me ia dar equivalência a Plasmas no Técnico mas que nada teve deste estado físico presente, por exemplo, na parte violeta da chama. Usei o verbo no Pretérito Imperfeito pois, mesmo apesar de ter passado o fim-de-semana antes da prova a estudar - o que, eu sei, não é muito mas custou -, chumbei no exame, oral. Há muitas vantagens neste tipo de sistema mas uma desvantagem crucial, que é o facto de não poder "escolher" a nota que quero ter. Em Lisboa, posso estudar para o 15 e ter de facto essa nota; na ULB, podia saber 19 valores da matéria mas, se saísse o 1 que não estudei bem, não dava. Ainda tentei que o professor me deixasse fazer a segunda fase (aliás, um trabalho, pois Fluides é intragável e chumbava de novo) logo nesse mês e não em Agosto, como é o oficial, mas o coordenador de Erasmus da ULB não deixou.

Na semana seguinte, era suposto começar a estudar para Nanophysique/Nanofísica, coisa que fiz até perceber que não ia conseguir, pois é uma cadeira tão teórica como, de resto, todas as outras no curso de Física na ULB, e eu já estou com formalismos matemáticos pelos cabelos - afinal, estou num mestrado de engenharia. Entretanto a Hanna foi a Bruxelas e apresentei-a ao pessoal numa festa, apesar de não terem sido dias muito bons pois estávamos os dois stressados com a universidade, e ela com o trabalho também, mas já lá vamos.

O caso é que, entre chamadas para pôr o curso de Francês no LA (de maneira a que conseguisse assegurar a bolsa pois, tendo já feito Didactique, de 5 ECTS, assegurava desde já o mínimo de seis créditos), coisa que o coordenador em Lisboa me tinha dito que não seria preciso mas afinal foi, e ainda e-mails que lhe enviei para saber se, uma vez que Nanofísica me daria equivalência a uma opcional, se poderia antes fazer uma outra no segundo semestre no IST para compensar, acabei por cagar para Nanophysique e tive mais tempo para o meu primo André que, mais tarde, foi também a Bruxelas.

Fui na mesma ao exame, para ter nota de presença, no mesmo dia em que tive o de Relações Internacionais - ainda não sei mas devo ter chumbado, pois tinha conteúdo para os estudos de caso mas não para a teoria sobre a cadeira e o próprio professor, depois de ter sido o primeiro nos meus dezassete anos de estudo a dizer que tinha a letra bonita, me avisou a rir que não estudei. Só a solidariedade entre latinos me poderá valer agora.

Entre os dois exames fui conhecer o grande François Englert, proeminente físico belga que ganhou o Prémio Nobel em 2013 pela descoberta do Bosão de Higgs (a par do cientista francês que dá o nome à partícula) e que, soube mais tarde, infelizmente, foi sobrevivente do Holocausto. Conheci-o pois, no próprio dia que fui deixar a Hanna ao autocarro para ir para o aeroporto apanhar o avião de volta - e onde comemos uma pizza à pressa, num jantar onde o romantismo foi inversamente proporcional ao seu significado -, em que fui posteriormente à galeria de Jean-Marie Bertrand, amigo de infância do Prof. Englert e que conheci pois é a mesma onde o António, um pintor amigo do meu senhorio, expõe em Bruxelas. Isto de ser um gajo que fala com toda a gente sem problemas tem vantagens.

Gostei bastante de estar com o Englert. Cheguei ao gabinete dele, estava a ver presentes que lhe tinham enviado, presumo, pois tinham cartas a ele endereçadas e consistiam em livros e garrafas de vinho em caracteres chineses. Antes de começarmos a falar, sempre em Francês, colocou um aparelho auditivo, mesmo à "avozinho" - apesar de o meu, há uns anos e tal como o mítico Professor Girassol, achar que não precisava - e começou por me perguntar o que estudava, o meu tema de tese, que professores tinha tido.

Depois, tentei falar sobre a sua investigação quanto ao Bosão, colocando-lhe perguntas para que começasse a falar e eu a apenas ouvir, e pus-lhe a questão na qual ando a pensar desde que estudo Física, que é a minha convicção de que a Mecânica Quântica não é uma teoria final devido à sua natureza probabilística; ele explicou-me que o conceito de probabilidade aí é diferente da Lei de Laplace (casos favoráveis/casos possíveis) e que, caso a MQ seja uma explicação intermédia do mundo, que ainda estamos muito longe de chegar à "derradeira teoria", uma vez que ainda nos é muito estranho perceber o que é uma partícula estar aqui OU ali e aqui E ali. No fundo, a diferença entre um bom cientista e um grande cientista é que o bom sabe muito e acha que sabe tudo, enquanto o grande sabe um muito um pouco maior e acha que não sabe nada.

No final do exame de RI, isto tudo nesse dia de 25 de janeiro, fui para Milão, com o meu primo a ir comigo para o aeroporto desde logo apesar de ter o voo mais de duas horas depois. Mal entro no avião, começa toda a gente a assumir que sou italiano, a começar pelas hospedeiras, que nem me falaram sequer em francês ou inglês numa fase inicial, situação que se repetiu em Itália em cafés e restaurantes, onde se dirigiam a mim mas era a Hanna quem respondia, pois fala de facto alguma coisa enquanto eu, apesar de perceber relativamente bem, arranho meia dúzia de frases e pouco mais.

Ficámos apenas duas noites mas foi uma boa estadia, pois estivemos juntos já numa maneira mais de "couple" e gostámos ambos disso. E fui a San Siro (Giuseppe Meazza, pois sou fã do Inter), onde queria ir já há provavelmente uma década e que recomendo pois é uma viagem incrível pela história do futebol italiano. O nosso airBnB é que era um beliche, com camas pequenas, mas com boa vontade consegue-se tudo e a cama de cima é claro que não chegou a ser utilizada - a não ser quando ela meteu na cabeça que queria uma almofada só para si, sendo que estas ocupavam a cama toda.

Acordámos às 4h na sexta-feira, dia 27, para voltar, tendo ainda ficado uns momentos no aeroporto a falar e enfim, a deixar as emoções escorrerem pelos globos oculares. Eu fui o primeiro a apanhar o avião (ela foi e voltou de Bruxelas) e, apesar de ainda ter ido a casa de volta à capital da Europa, ainda fui à ULB antes de dormir para o Sr. Martel, o gajo do gabinete de mobilidade e que foi provavelmente a pessoa de quem mais gostei dos serviços, me assinar a declaração de estada. De volta a casa, não dormi grande coisa pois fui a Solbosch ter com a Danaé, uma rapariga do BEST que ia para uma viagem na neve e que portanto não voltaria a ver, e estivemos com mais malta, quer da associação quer outros Erasmus, a beber dentro do campus. À noite, houve festa em casa da Seline, onde fumámos finalmente os havanos que ela trouxe quando esteve em Cuba - e onde vai casar em Abril, se não estou em erro - e fomos em seguida, alguns de nós, para o spot de outros Erasmus, estes espanhóis, parte do grupo com quem passava mais tempo. Mais despedidas.

No dia seguinte, estive pela segunda vez com pessoal do LIVRE a falar sobre um meet-up que um bacano, também Pedro e que também começou no MEFT, queria fazer por Bruxelas sobre como o crescimento da Inteligência Artificial era mais uma razão para suportar o Rendimento Básico Incondicional - tenho pena já não estar lá, pois gostaria imenso de marcar presença. À noite, combinei ir beber uma jola com o Sacha, um gajo do BEST de quem fiquei muito amigo e que foi o MO do curso de Outono, e eis que de repente estão mais 7/8 outros membros no bar onde fomos, uma surpresa agradável.

Tinha ainda convite para ir à despedida de um brasileiro, grande bacano, e a Raíssa, também ela de Terras de Vera Cruz, tinha-me dito anteriormente que já não ia dar para nos vermos após lhe ter dito que ia bazar no dia seguinte, até que me diz para ir a uma festa em casa de um Mathias, onde estavam raparigas que me conheciam, sendo que ela nem sequer conhecia o anfitrião também. Levei comigo mais três do BEST, chego lá e o Mathias vem todo excitado dizer "so you are Pedro!" e que já estava bué gente a falar de mim e ya, estavam lá a Roxana, a Seline de quem me tinha despedido na véspera, as amigas italianas dela (com o charme típico da mulher transalpina, em especial a Serena), a já referida Raíssa e ainda a Vesselina, uma búlgara lindíssima e com quem não usaria o produto que o seu nome sugere.

Essa noite, a última em Bruxelas, foi também a primeira (e única, portanto) que passei fora de casa, ficando com o Sacha e o Robin. Acordei às 8h, após me ter deitado às 5h, para ir para casa ficar no sofá meio a dormir, meio a ver a final do Open da Austrália, onde fiquei feliz por o Federer ter provado que conseguia voltar a ganhar, quer ao Rafa num Grand Slam após dez anos de derrotas, quer um título Major de todo. A minha prima Marta foi lá almoçar, tendo-me ajudado a fazer as malas pois a TAP tinha uma promoção para levar mais 10 kg para estudantes de Erasmus em setembro e agora ia de Ryanair pois a mesma já não existia - e, como disse Lavoisier, a matéria não se perde nem se gasta. Partiu-me o único copo que roubei com sucesso à noite mas de facto consegui deixar apenas três camisolas para trás, que espero que a Filipa mas consiga trazer. O Miguel levou-me ao aeroporto e o meu afilhado Peixoto foi-me buscar já na ocidental praia lusitana.

Se academicamente não foi de facto uma boa opção ter ido para Bruxelas, em termos pessoais e sociais foi sem dúvida uma experiência que não trocaria por nada. Desde o Miguel, o meu senhorio que foi quase como um pai para mim e com quem espero manter contacto, até à Hanna - vamos tentar manter isto vivo, ela tentará vir cá em Maio para a bênção e eu quero ver se consigo voltar a Bruxelas no final de Março para novo evento do BEST -, passando por todas as pessoas de todos os continentes que conheci, em Bruxelas e não só, só tenho a recomendar a toda a gente que participe no programa Erasmus+. Porém, há uma coisa quanto à qual importa ter atenção, que me fritou a cabeça mais vezes que as desejáveis e que é um problema transversal à UE: a burocracia. Não quero com isto dizer que toda a gente é incompetente, mas evitem ao máximo confiar na competência das outras pessoas; eu, se quero algo bem feito, tento que dependa o máximo possível de mim e só de mim. Claro que isso não faz com que corra sempre bem, de todo, mas prefiro que algo saia mal por minha culpa que por culpa dos outros.

De volta a Lisboa, a razão pela qual só a partir de quinta tinha tempo para escrever foi o exame de Partículas que tive nesse dia. Se tiver a cadeira feita, consigo só ter a tese e a cadeira de Plasmas para o ano - ou nem isso, caso repita o exame em Agosto - e assim pagar só metade da propina, o que é importante dado o panorama financeiro. Na sexta-feira voltei a contar com a ajuda do meu afilhado para mudar as coisas para a nova casa, apesar de ainda ter de voltar a fazê-lo com o resto para a semana, antes de ir para o ENEF, em Almada. É isto que é  a Praxe, criar laços que de facto se mantêm caso as pessoas assim o queiram. No sábado, voltei a Lisboa e foi o almoço de anos do meu avô, um homem muito importante para o Tramagal pelo seu lado humanístico e social que demonstrava na sua profissão de médico. Foi bonito, com homenagens (incluindo um poema meu feito do fundo do meu génio criativo), apesar de ele estar cada vez mais debilitado a olhos vistos. Escrevo isto com ele na Cruz Vermelha desde ontem de manhã, sabendo que está estável, felizmente.

Bem, é essencialmente isto. Agora com o fim do Erasmus, não sei quando voltarei a escrever, mas vou voltar ao que vinha fazendo: quando quiser manifestar a minha opinião em mais caracteres que os 140 do twitter ou as dez linhas de um post no Facebook, volto ao Uspeti. Até lá, sabem onde me encontrar.

Um bem-haja,
Pedro Mendes